De novo o calçado

Sob o título “A história de uma indústria condenada que se tornou um modelo para Portugal” o Público publica hoje uma longa reportagem sobre a indústria do calçado em Portugal e a sua vitalidade.  Sendo este um tema recorrente neste blog (aqui e aqui) não poderia de deixar de aproveitar esta oportunidade para voltar a ele.

A indústria do calçado é um exemplo paradigmático de como a inovação, designe marca são fundamentais para a concorrência dos produtos portugueses no mercado internacional, mais do que os baixos salários a que nos querem amarrar, e como a globalização, mais do que uma ameaça, se revela uma oportunidade. Alguns excertos:

“Os “sapateiros” portugueses, como se gostam de designar,  ocuparam o segundo lugar do ranking do prestígio mundial, logo a seguir aos italianos, inovaram nas técnicas e nos materiais, lideram empresas que estão na vanguarda da tecnologia, criaram marcas e tendências capazes de atrair clientes de Moscovo a Nova Iorque e construíram um máquina de exportar que rendeu ao país 1600 milhões de euros no ano passado. Enquanto uma parte da indústria e a maioria do país adormeceu à sombra do crédito fácil e do mercado interno protegido, os sapateiros aprenderam rápido o que quer dizer a concorrência internacional e o que vale a “competitividade”

“Hoje, o calçado português passa pelos pés de Barack e Michelle Obama, de Shakira, de Paris Hilton, Penélope Cruz, Cameron Diaz ou Letizia Ortiz. Todos os anos as indústrias, principalmente concentradas em Felgueiras e São João da Madeira, exportam 71 milhões de pares de sapatos para todo o mundo. Há cerca de dez anos, o volume de vendas rondava os 90 milhões de pares, mas ao contrário do que se possa pensar esse recuo no volume significou um enorme salto na facturação. É que hoje os empresários nacionais conseguem colocar lá fora as suas criações a um preço médio de 22,7 euros por par, o segundo preço mais alto do mundo logo depois da Itália.”

“A Lemmon Jelly tem uma linha para médicos e enfermeiros, com palmilhas facilmente esterilizáveis. A Officina recorre à tamponagem, pintura à mão, para acabar os seus sapatos que chegam ao mercado a 390 euros o par. A Rutz utiliza cortiça submetida a testes de resistência, recorre a rendas de bilros, procura fazer calçado ecológico, flexível, leve. A Cubanas lançou o modelo Desire com uma palmilha desenhada para “estimular os pontos reflexos das zonas erógenas que se assemelham aos efeitos terapêuticos de uma massagem” e promete revolucionar o “ímpeto corporal” e a estimulação da libido.”

“Inês Caleiro passou pela London College of Fashion, estagiou no guru do design do calçado Jimmy Choo, desenhou móveis nos Estados Unidos e regressou para lançar a sua marca. Já vai na sexta colecção, produz em média 600 pares por colecção, vende-os a 200/300 euros por par e destina 70% para exportação.”

“Os custos da mão-de-obra há muito deixaram de ser um factor essencial para o sucesso da indústria nacional, porque se um operário português ganha menos do que um italiano (4,7 euros por hora contra 13,4 em Itália), há no mundo trabalhadores que recebem 2,6 euros (os brasileiros), 1,4 euros (os chineses) ou até 23 cêntimos por hora, caso dos etíopes, que estão a criar o novo el dorado das multinacionais.”

“Como em outras épocas, os empresários do sector acreditam que a sua resistência no mercado se fará apenas por mérito próprio. Pelo lado da qualidade e do design, mas também pelo domínio de redes logísticas ou pela capacidade de produzirem sem transtorno pequeníssimas encomendas que os seus clientes receberão poucos dias depois em qualquer parte do mundo. Mesmo que continuem a produzir algumas marcas de terceiros, sabem que a guerra do preço está há muito perdida. Para serem bem sucedidos, têm de se colocar muito para lá da imagem externa de Portugal, têm de disputar a aura da Itália ou da França. ”