Entrevista a Jeremias Bandarra

MUA – Bandarra é um nome que marca a pintura contemporânea em Portugal desde há gerações e que se associa a uma família, não apenas a um artista. Como conviveu com esse fervilhar criativo conjuntamente com os outros membros da família?

JB – Em criança não tive consciência da influência que a família exerceu na minha formação artística. Só mais tarde verifiquei que todos nós, mãe, pai, irmãos, tínhamos uma chama, um jeito natural para as artes. A minha mãe, por exemplo, tinha uma habilidade enorme para desenhar modelos de costura. O meu pai, carpinteiro de profissão, criava móveis desenhados por ele. O meu irmão mais velho, Manuel Bandarra, foi premiado no Brasil e conhecido nos meios publicitários brasileiros. Por cá, o meu irmão mais novo, Hélder Bandarra, fez da pintura a sua vida. É um artista conhecido nacionalmente! Só o José Carlos é que seguiu as pisadas do meu pai continuando na carpintaria. Foi desenhador de móveis com muita qualidade. E eu…bem eu, comecei a copiar bonecos de revistas infantis. Foi assim que comecei a dedicar-me ao desenho! Éramos quatro irmãos com potencial para as artes e todos autodidatas. Quando ainda muito jovens, pintávamos até noite dentro, à roda da mesa.

 MUA – Pode então dizer-se que a sua família moldou o seu perfil artístico. Para além do seu núcleo familiar considera ter havido mais alguém que o tivesse direcionado para as artes?

JB – Não. A pessoa que mais me marcou foi o meu irmão mais velho. Foi ele quem mais influenciou o meu gosto pelo desenho e pela pintura. Foi ele quem mais me ensinou, quem mais me sensibilizou para as artes. O Manuel era um extraordinário desenhador e pintor. Entretanto foi para o Brasil e por lá ficou até morrer (pausa). Apesar de não ter feito da pintura a minha primeira atividade profissional, nunca deixei de pegar no lápis e nos pinceis. Ainda hoje pinto todos os dias! Procuro novas formas, combinações de cores e preocupo-me com a estética do trabalho. Mesmo quando trabalhei como escriturário, depois de ter acabado o Curso Geral de Comércio, nunca deixei de pintar. Foram muitas as aguarelas que criei. Fiz muitas ilustrações para os jornais, revistas e livros, entre os quais alguns infantis. Os últimos que ilustrei foram “Acidade dos Ovos Moles” escrito por Amaro Neves e “A Nova Princesa” escrito por Rosa do Céu.

 MUA – Reconhece-se na exposição “4 Fundadores expõem” um novo Jeremias Bandarra, mais ousado, renovado, que rompe com a tradição figurativa. O abstracionismo geométrico veio destituir a poesia tão “Jereminiana” a que nos habituámos?

JB – Sempre fui um pintor figurativo e continuo a sê-lo. Há apenas cerca de 5 anos, entrei nesta fase abstrata. Considero que ela complementa a minha faceta figurativa por achar que se consegue entrar num campo muito mais criativo. Há dois pintores que sempre apreciei particularmente e que me influenciaram muito com as suas técnicas: Marc Chagall pela poesia impregnada nas suas composições e Paul Klee pela sua geometria. Admiro em ambos a técnica, a distribuição no espaço e a harmonia das formas e das cores. Mas sou, acima de tudo, um insatisfeito. Gosto de observar tudo o que está à minha volta e de fazer filtragens. Tanto a arte antiga como a moderna me fascinam e serão sempre referências para a minha formação artística.

 MUA – É, portanto, um contemplador por natureza?

JB – Sim, posso considerar que tudo é fascinante e inspirador. As vivências do meu dia-a-dia encontram-se de certa forma evidenciadas nos meus trabalhos. Aprendi também através da leitura. Leio muito e todos os dias, principalmente sobre História da Arte. Aprendo muito com os outros e estou sempre a absorver informação sobre os grandes mestres da pintura. É por isso que as idas aos museus são fundamentais. Viajei muito em toda a minha vida e aproveitei sempre para conhecer os museus, principalmente os da Europa. Descobrir ao vivo os grandes mestres da pintura e as suas obras são para mim autênticas lições de arte. Por exemplo, estou a lembrar-me de Picasso. Considero-o um génio. Aprendi muito ao ler sobre ele e inclusive aplico nos meus trabalhos a técnica que ele próprio utilizava para realizar as suas telas. Tal como ele, aplico uma linha condutora que unifica todos os meus quadros. Essa continuidade é possível porque nunca trabalho um só quadro de cada vez. Normalmente agrupo duas ou mais telas e trabalho-as como se de uma peça única se tratasse. Essa unicidade permite dar consistência e unidade à composição.

 MUA – Artista ou artista aveirense? Qual dos dois pesa mais?

JB – Tenho uma ligação muito forte a Aveiro. Aqui nasci, cresci, estudei, trabalhei e aqui tenho o meu atelier. Foi também em Aveiro que, com 25 anos, inaugurei a minha primeira exposição individual. Lembro-me que foi na Galeria Convés, que pertencia a José Penicheiro. Fiz um grande grupo de amigos que ainda tenho hoje e saliento particularmente aqueles ligados às artes como o Artur Fino, o Gaspar Albino, o Vasco Branco, Lúcia Seabra, Milú Sardinha. Em 1971 foi fundado o Grupo AVEIROArte cujos mentores foram Vasco Branco e David Christo. Esta cidade sempre acolheu muito bem os meus trabalhos e foram-me atribuídos alguns prémios. Na cerâmica fiz as maquetas de muitos painéis para igrejas, murais, casas particulares às quais o ceramista Zé Augusto deu forma. Executei também muitas maquetas para vitrais destinados a igrejas, casas comerciais e particulares. Até mesmo à Universidade de Aveiro tenho uma ligação especial. Fui o autor dos seis primeiros cartazes referentes ao “Dia da Universidade Aberta”!

 MUA – Denota-se em Jeremias Bandarra a avidez de conhecer mais e melhor a arte. Reconhece-se com a criação do Grupo AVEIROArte, na década de 70, a necessidade de conhecer novas correntes estéticas. Considera esta associação um elemento promotor para a sua formação artística? 

JB – De facto, naquele tempo não tínhamos muita informação sobre o que se passava na Europa. A criação do Grupo AVEIROArte foi importante para mim pois a partir daí adquiri conhecimentos mais vastos acerca dos movimentos modernos e contemporâneos. Apoiávamos muito os novos talentos principalmente experimentalistas. Alguns vinham das Belas Artes e traziam ideias novas, o que era uma mais-valia. Aprendi muito com eles. Participei em muitas exposições individuais e coletivas promovidas quer pelo AVEIROArte quer por outras galerias não só nacionais como também em Espanha, França e Bélgica.

 MUA – Referiu que o abstracionismo complementa a sua tradicional faceta figurativa. Surpreendentemente essa viragem ocorreu recentemente o que faz de Jeremias Bandarra um inconformado. Gostaria que o recordassem como tal?

JB – Ficaria contente se um dia a minha obra servisse como estímulo para futuras gerações.

1 Response to Entrevista a Jeremias Bandarra

  1. Isabel Redondo diz:

    O meu pai emprestou-me um oleo pintado (e graciosamente oferecido) por este grande artista. Thank you so much for the pleasure it gives me every day.

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